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27/08/2014

Conflitos no Chade: sem luz no fundo do túnel (Pag 28 C.A)

Nos seus 48 anos de história como país independente, o Chade nunca teve uma mudança de Governo de forma democrática e livre. Todas as mudanças no comando do Estado fizeram-se sempre de uma forma violenta, através de um golpe militar. O que aconteceu em N’Djamena, no passado mês de Fevereiro é uma repetição exata daquilo que se passou, em Abril de 2006, quando um punhado de rebeldes, procedentes também do Sudão, entrou na capital, com o único objectivo de expulsar Idriss Deby do poder. Trata-se de mais um episódio da trágica história de um país que conta os seus anos de independência por épocas de guerra civil, rebeliões e golpes militares. No passado mês de Fevereiro, os rebeldes estiveram quase a consegui-lo. Só a perícia militar de Idriss Deby e a ajuda que recebeu do Exército francês impediram a sua derrota.
Curiosamente, todos os golpes militares que tiveram êxito partiram sempre do Sudão. Hissène Habré iniciou a sua ofensiva em Darfur. O próprio Deby organizou a tomada do poder no mesmo lugar. É a mesma história, repetida uma e outra vez: organiza-se a revolta do outro lado da fronteira – sempre com a conivência e o apoio do Sudão e o beneplácito da França –; cruza-se o país de leste para oeste e entra-se em N’Djamena. Assim de simples. Tudo depende da posição que tomem Cartum, por um lado, e Paris, pelo outro. Nesta ocasião, falhou uma das partes: a francesa. O apoio sudanês aos rebeldes compreende-se pela ajuda que o Governo chadiano está a dar aos rebeldes de Darfur que lutam contra Cartum; enquanto o apoio francês a Idriss Deby obedece a razões estratégicas. Para a França é capital que Deby continue à frente do país, porque a sua queda suporia uma grande instabilidade em toda a zona.



Poder a qualquer preço

O caso do Chade é, por um lado, uma peça do complicado quebra-cabeças que configura hoje a região do Darfur e, por outro, a desgraçada consequência da ambição dos seus dirigentes para se aproveitarem do ouro negro que alberga o seu subsolo.
A aliança dos três movimentos rebeldes que, em Fevereiro passado, atravessou o país, de leste para oeste, em apenas cinco dias, foi uma aliança de circunstâncias, criada à força, sob pressão do Sudão, para a ocasião. Mas, depois da derrota, a coligação desfez-se, para dar lugar a uma nova. No passado dia 28 de Fevereiro, o general Mahamat Nouri, líder da UFDD (União de Forças pela Democracia e pelo Desenvolvimento), uma das partes aliadas, anunciava a dissolução desta e apresentava uma nova aliança, chamada Aliança Nacional (AN), formada pela própria UFDD, liderada por ele mesmo; pela UFDD-Fundamental, liderada por Abdelwahid Abdoul Makaye; e pela Frente para a Salvação da República (FSR), de Ahmat Soubiane. A RFC (Reunião de Forças para a Mudança) de Timane Erdimi, sobrinho do presidente, fica fora desta nova coligação, embora Nouri não descarte a hipótese de colaborar com ela. Em todo o caso, esta reorganização evidencia as desavenças entre os dois principais líderes da aliança que esteve perto de conseguir o poder: Timane Erdimi e Mahamat Nouri. Erdimi é sobrinho do presidente Deby, da mesma etnia que ele, um zaghawa; enquanto Nouri é um gorane, a etnia do ex-presidente Hissène Habré, deposto a seguir ao golpe de Estado levado a cabo por Idriss Deby, em 1990. Ambas as etnias sempre foram inimigas entre si, pelo que uma aliança entre elas pouco podia durar.
Por outra parte, esta reorganização da oposição armada não é nada de novo. Já houve imensas reorganizações; de cada vez com um novo nome e com diferentes componentes; mas sempre com o mesmo objectivo: depor Idriss Deby. Uma vez conseguido o fim que justifica a aliança, não haverá mais nada que a motive e acontecerá a divisão, já que o objectivo de cada um dos seus líderes não é devolver ao país o caminho da liberdade e da justiça, mas afastar o actual presidente para ocupar de qualquer modo o seu lugar.

Ou Deby ou o caos

Toda esta andança de alianças e rupturas, de nomeações e destituições, só mostra uma coisa: que neste momento a situação política é caótica e que não se vislumbra nenhuma alternativa clara ao presidente chadiano; pelo menos no seio da rebelião armada. De facto, o apoio que está a receber de Paris obedece principalmente a que a França não vê nenhuma alternativa clara, se Deby deixar o poder. Das muitas afirmações que o próprio presidente chadiano fez durante a campanha eleitoral em 2006, há pelo menos uma com a qual todos os observadores estão de acordo, especialmente a França: «Ou eu ou o caos», proclamava o mandatário naquela ocasião, fazendo de tal afirmação uma verdadeira palavra de ordem eleitoral. Tal como estão as coisas no seio da rebelião, parece, desgraçadamente, que é verdade. Se o golpe de Estado de Fevereiro passado tivesse tido êxito, seguramente que hoje o Chade estaria mergulhado no caos e na guerra civil, com os líderes rebeldes lutando entre si para conquistar o poder.
Por outro lado, a presidência do país é um lugar muito cobiçado, desde que, em Outubro de 2003, começou a exploração de petróleo na região de Doba. É um docinho que atrai demasiado e que deu origem a uma série de dissensões e disputas, inclusivamente no círculo mais próximo do presidente Deby. Coincidindo com o início da exploração do ouro negro, Idriss Deby modificou a Constituição para poder ser reeleito indefinidamente e perpetuar-se no poder. Deby nunca deixará o poder por via democrática, o que leva a que haja cada vez mais grupos que vêem a solução armada como única saída. Entretanto, é o povo chadiano quem sofre com as consequências.
Deby está cada dia mais sozinho. Os zaghawa que o querem ver longe do «Palácio Rosa» (denominação popular do palácio presidencial) aumentam sem cessar. Criticam-no também por não estar a ajudar suficientemente os seus irmãos zaghawa que lutam no Darfur contra o Governo sudanês.

Oposição democrática

Se a oposição armada está dividida, a oposição democrática, que em 2006 boicotou as eleições, encontra-se atualmente na sombra. Os seus líderes ou estão na cadeia ou fora do país ou não se sabe nada deles. No passado 20 de Fevereiro, a Amnistia Internacional mostrava a sua preocupação pela sorte de Lol Mahamat Choua, Ngarlegy Yorongar e Ibno Mahamat Saleh, três dos principais líderes da oposição, detidos a 3 de Fevereiro, em N’Djamena. O primeiro, isolado numa prisão militar; e o segundo, a quem a França ofereceu asilo político, aparecido finalmente nos Camarões, depois de ter estado uns tempos em paradeiro desconhecido. Como se fosse pouco, no dia 15 de Fevereiro, o Governo chadiano decretava o estado de emergência, uma medida que autoriza os governadores regionais a controlar as movimentações da população e dos veículos e a proibir a maioria das reuniões, que permite ao Governo controlar o que se publica na imprensa e impõe um recolher obrigatório da meia-noite às seis da manhã. A imprensa privada não demorou a reagir e decidiu suspender todas as suas publicações, enquanto durar o estado de emergência, considerando-o um ataque mais às liberdades fundamentais.

A implicação do Sudão

Não se pode tratar o tema chadiano como uma simples questão interna. Para entendê-lo na sua totalidade é preciso cruzar a sua fronteira leste e olhar para o Sudão. O presidente chadiano, Idriss Deby, pertence à etnia zaghawa, uma das principais etnias que povoam a região do Darfur. Quando, em 1990, alcançou o poder, fê-lo exactamente da mesma maneira que intentaram os rebeldes, no passado mês de Fevereiro. Chegou vindo do Sudão, naquela ocasião com a conivência da França e à frente de um pequeno exército de soldados zaghawas. Muitos daqueles que, naquela ocasião, o ajudaram a conquistar N’Djamena, são os mesmos que, hoje, estão a enfrentar o Governo sudanês. Desde que começou o problema do Darfur e os rebeldes se levantaram em armas contra Cartum, Deby deparou-se com um grande dilema: por um lado, não podia defrontar o seu vizinho sudanês, mas, por outro, não podia deixar abandonados aqueles que, a seu tempo, tinham tornado possível ser ele hoje o presidente do Chade.
Deby sempre negou que o Chade estivesse a apoiar os rebeldes do Darfur; mas o certo é que lhes deu armas e deixou que utilizem o território chadiano como base e refúgio. De facto, alguns dos zaghawas que combatem no Darfur contra os soldados governamentais sudaneses fizeram parte da sua própria guarda presidencial. Este jogo para os dois lados virou-se contra ele. Os zaghawas que hoje lhe fazem frente (entre os quais está o seu próprio sobrinho, Tom Erdimí) fazem-no não só pela questão do petróleo, mas também porque se sentem defraudados e criticam-no por ter deixado em má situação os seus próprios irmãos.

Presença europeia

O Sudão sempre se opôs a um desdobrar de forças de segurança no Darfur. O facto de que o ataque a N’Djamena de Fevereiro passado tenha coincidido com o mesmo dia em que se tinha de desdobrar a EUFOR não é casualidade. A presença de soldados europeus no Darfur impediria ou dificultaria os seus planos de limpeza para poder explorar todos os recursos petrolíferos e aquíferos da zona. Com efeito, a EUFOR não pode entrar em território sudanês, está obrigada a permanecer em território chadiano ou centro-africano, sem autorização para cruzar a fronteira. Além disso, não se pode esquecer que mais de dois terços dos militares que compõem a missão são franceses; e o facto de que a França tenha apoiado Idriss Deby nas duas ocasiões em que N’Djamena se viu atacada, coloca em dúvida a sua neutralidade. Apesar de tudo, a presença da EUFOR servirá, se não para evitar, ao menos para mitigar as consequências de uma situação política tão instável e com tão poucas perspectivas de futuro. Terá de passar esta geração para que o Chade possa vislumbrar a luz ao fundo do túnel. Infelizmente, um túnel demasiado comprido.

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